Diego Cipriano e a família no Japão. Brasileiro trabalha 12 horas por dia e ainda faz bicos no fim de semana — Foto: Arquivo pessoal
Diego Cipriano, 38, foi um dos que chegaram pouco antes da recessão, há 17 anos. Ele deixou a carreira de ciclista profissional e um trabalho na área de informática para tentar uma vida melhor no exterior. A esposa, neta de japoneses, convenceu-o a vir para o Japão. Hoje, ele trabalha em média 12 horas por dia numa fábrica de transformadores de alta tensão, de segunda a sexta. Nos finais de semana, faz bicos em um food truck de pizza, faz manutenção de bicicletas em uma empresa de turismo em Kyoto e atua como fotógrafo em eventos, aniversários, além de fazer ensaios pessoais.
— Tem dia que durmo apenas três horas — conta o brasileiro, que ganha em média 1.400 ienes (R$46) por hora.
Tanto empenho tem um motivo. Ele financiou um imóvel próprio e quer garantir os estudos dos três filhos nascidos no Japão.
— Minha obrigação é dar à família uma vida melhor do que a que tive no Brasil — justifica Cipriano. — Cheguei no Japão com apenas duas malas, sem falar o idioma ou conhecer a cultura. Hoje tenho orgulho do que conquistei: comprei uma casa confortável, um bom carro e tenho uma segurança que não se encontra em nenhum lugar do mundo.
O país oriental é destino de trabalhadores brasileiros desde o fim da década de 1980. Mas foi em 1990 que o Japão inseriu uma emenda na Lei de Controle de Imigração e Reconhecimento de Refugiados, dando a possibilidade para descendentes da segunda e da terceira geração (nisseis e sanseis, respectivamente) e suas famílias obterem visto atrelado a uma nova categoria, com permissão para trabalhar.
A reforma, conta o jornalista e escritor Gilberto Yoshinaga, calhou com o Plano Collor, o que fez milhares de brasileiros emigrarem para o Japão em busca de estabilidade.
— Famílias inteiras começaram a se establecer no Japão. Se antes iam só para juntar dinheiro em pouco tempo e retornar, passaram a prolongar a estadia e a consumir mais, comprando carros e até casas — detalha Yoshinaga, que vai lançar um livro sobre a saga dos brasileiros no país. — Nesta última década, o perfil do imigrante não mudou muito.
O sociólogo e pesquisador Angelo Ishi concorda.
— Minha impressão é que, hoje, a principal massa de brasileiros que vêm para cá é de pessoas que já têm experiência prévia de trabalho no Japão, ou são aqueles que já têm alguém da família vivendo aqui — opina Ishi, que dá aulas na Universidade Musashi, em Tóquio. — Há muito tempo o Japão deixou de ser um eldorado, até por conta da absurda desvalorização da moeda japonesa.
O advogado Antonio Kotaro Hayata, 53, é um dos que viveram nessa ponte aérea. Na primeira vez, em 2002, ele veio estudar e aprimorar o japonês. Na segunda vez, em 2007, veio para acompanhar o fim da gestação da primeira filha e conseguiu emprego na controladoria de projetos da Mitsubishi Fuso, fabricante de caminhões e ônibus. Em 2011, voltou ao Brasil, mas com a ideia de vir ao Japão de novo, por isso investiu num apartamento próprio em Tóquio. O retorno só aconteceu em 2018.
— Tinha acertado com minha família que a educação das minhas filhas seria no Japão, por isso voltamos — conta ele, que não pensa mais em voltar ao Brasil e há pouco conseguiu a autorização da Federação Japonesa de Associações de Advogados para atuar no país.
Brasileiro morador do Japão, Antonio Hayata — Foto: Arquivo pessoal
A reforma de 1990 na lei de imigração também delimitou as duas principais diferenças da comunidade brasileira no Japão das demais comunidades brasileiras no exterior: ela pertence, na grande maioria, a um grupo étnico específico e está, na quase totalidade, regular (99,7%, segundo dados do Ministério da Justiça).
Isso facilitou na solução de diversos problemas. Nestas quase três décadas e meia, muitas das demandas dos imigrantes foram atendidas, sobretudo nas áreas de educação, saúde e trabalho. A atenção à comunidade brasileira tem sido um dos principais eixos de ação dos três consulados brasileiros no país e da embaixada em Tóquio.
Entre as décadas de 1980 e 1990, o Japão manteve o segundo maior PIB do planeta. Mas a partir dos anos 2000, a máquina foi desacelerando e, desde a crise econômica mundial de 2008, o país nunca mais se recuperou. A economia japonesa é agora a quarta maior do mundo, atrás de EUA, China e Alemanha.
O país sofre também com o envelhecimento da população, tendo o maior índice do mundo de habitantes com 65 anos ou mais (29,1%). Em contrapartida, a taxa de natalidade é de apenas 1,26% — em 2023, os nascimentos caíram pelo oitavo ano consecutivo.
Esses dados se refletem diretamente na escassez de mão de obra e no crescimento econômico. Por isso, ano após ano, o arquipélago abre cada vez mais as portas aos estrangeiros. Em 2023, o número de forasteiros vivendo no país chegou ao recorde de 3.411.000, um aumento de 10,9% em relação ao ano anterior, segundo dados da Agência de Serviços de Imigração. O ritmo de crescimento, segundo especialistas, deve se manter, pois a falta de mão de obra é crônica. Segundo um estudo da Agência Japonesa de Cooperação Internacional, o Japão precisará de 6,74 milhões de trabalhadores estrangeiros até 2040 para atingir suas metas de crescimento.
Vietnamitas, filipinos e nepaleses foram as comunidades que mais cresceram nos últimos anos. A maior diferença para os brasileiros está no tipo de visto que esses trabalhadores conseguem. O governo japonês não quer mais dar brecha para que os estrangeiros mudem livremente de trabalho e de residência, que é a grande vantagem do visto concedido para os nikkeis (descendentes de japoneses).
— O Japão criou um sistema de concessão de vistos que prioriza o controle sobre os trabalhadores estrangeiros, restringindo o tipo de atividade que irão exercer —explica Ishi.
Com baixa qualificação, contratos instáveis e de curta duração, excluídos dos planos de promoção por tempo de casa e, em alguns casos, situação previdenciária irregular, os brasileiros são bastante vulneráveis a crises econômicas ou transformações estruturais na indústria, como mudanças tecnológicas ou introdução de migrantes de outros países.
— O governo japonês nunca se empenhou em criar uma política imigratória. Somos tratados como parafusos. Quando dá algum problema, basta trocar — desaprova o jornalista Yoshinaga.
Mesmo assim, o professor Ishi é otimista em relação ao futuro dos brasileiros no Japão.
— A tendência é que as gerações jovens se integrem melhor, até porque o governo japonês está se empenhando mais nas políticas de coexistência com os estrangeiros.
Por outro lado, no plano coletivo, como “comunidade”, Ishi é mais pessimista.
— Não enxergo uma visão estratégica de longo prazo nas lideranças comunitárias para elevar a condição da comunidade de forma coletiva.